Recheada de palavrões e
ameaças contra governadores, reunião tem também fala do presidente sobre um
sistema paralelo de informação
BRASÍLIA
Divulgado nesta sexta-feira (22),
o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril mostrou grande preocupação de
Jair Bolsonaro em ser destituído, tendo o presidente da República
revelado, ainda, contar com um sistema de informação particular, alheio aos
órgãos oficiais, reforçando as indicações de interferência política na Polícia
Federal.
O
encontro, recheado de palavrões,
ameaças de prisão, morte, rupturas institucionais, xingamentos e ataques a
governadores e integrantes do Supremo Tribunal Federal, foi tornado público em
quase sua integralidade pelo ministro do STF Celso de Mello.
A gravação na
reunião foi entregue pelo governo ao STF no inquérito que apura as acusações do
ex-ministro Sergio Moro (Justiça), que deixou o governo acusando o
chefe de tentar interferir politicamente na Polícia Federal.
No encontro,
em que participaram Bolsonaro, ministros (incluindo Moro) e o vice-presidente
da República, Hamilton Mourão, entre outros, o presidente da República diz que
tem um sistema "particular" de informação que
funciona bem, diferentemente dos órgãos oficiais, reforça bastante os
indicativos de interferência na Polícia Federal para proteger familiares e
amigos e usa reiteradas vezes a palavra "bosta" e congêneres
para se referir a políticos como os governadores João Doria (PSDB-SP) e Wilson
Witzel (PSC-RJ) —foram ao menos 37 palavrões, 27 deles
proferidos pelo presidente.
Reprodução de vídeo da reunião ministerial de 22 de
abril - Reprodução
Ações de
combate à pandemia do coronavírus são tratadas de forma lateral no encontro.
Bolsonaro
também cobra de forma veemente lealdade de ministros, citando por diversas vezes as
ameaças de que sofra impeachment, ameaça rupturas institucionais em
relação a eventuais decisões de ministros do STF e defende que toda a população
se arme para reagir a eventuais decisões de autoridades locais que ele
considera serem ditatoriais.
“Se reunindo
de madrugada pra lá, pra cá. Sistemas de informações: o meu funciona. O meu,
particular, funciona. Os ofi... que tem oficialmente, desinforma [sic]. Prefiro
não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu
tenho”, afirma Bolsonaro, não deixando claro qual sistema privado seria esse.
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Segundo
interlocutores de Moro, a queixa de Bolsonaro era um ataque direto ao então
titular da Justiça. O presidente teria requerido à equipe de Moro que
levantasse dados de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), havia se
reunido com outras autoridades numa madrugada para tramar um processo de
impeachment.
O então
ministro disse a ele que o encontro não existiu. Diante disso, o presidente se
irritou e disse que sua rede de informações privada era mais eficiente.
Na sequência
da reunião, Bolsonaro se queixa, em tom irritado, da falta de dados dos órgãos
de inteligência e de uma suposta perseguição a irmãos. Daí, faz uma declaração
central para o inquérito que apura se ele tentou, de fato, interferir
indevidamente na Polícia Federal, especialmente na superintendência da
corporação no Rio.
“Já tentei
trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não
consegui. E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de
sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na
ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar,
troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto
final! Não estamos aqui pra brincadeira”, bradou o presidente.
1.
2.
O presidente Jair
Bolsonaro sai de máscara para falar com apoiadores ao sair do Palácio da
Alvorada em 11 de maio Pedro Ladeira/Folhapress
Em depoimento,
Moro afirmou que Bolsonaro se referia, naquele contexto, à mudança em alguns
postos-chave da PF, ante sua preocupação com apurações em curso.
O mandatário
sustenta, contudo, que sua fala era a respeito da troca de equipes do Gabinete
de Segurança Institucional, responsáveis por proteger seus familiares, versão
que se enfraquece mais ainda com a divulgação do vídeo da reunião.
Dois dias
depois do encontro com os ministros no Palácio do Planalto, o então
diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, foi demitido por Bolsonaro. O primeiro
ato da nova gestão do órgão foi trocar o superintendente da corporação no Rio.
Em outro
trecho da reunião, Bolsonaro confirma o interesse em intervir na polícia, mas
também em outros órgãos do Executivo. Ele cita “PF” (sigla de Polícia Federal)
num contexto de insatisfação com a falta de informações de inteligência. E a
relaciona entre os órgãos que seriam objeto de sua interferência.
“A pessoa tem
que entender. Se não quer entender, paciência, pô! E eu tenho o poder e vou
interferir em todos os ministérios, sem exceção.”
O conteúdo da reunião foi
divulgado quase que na íntegra, apesar de a AGU (Advocacia-Geral da União) e a
PGR (Procuradoria-Geral da República) terem pedido a supressão da maioria dos
trechos. Celso de Mello só manteve sob sigilo trechos em que há
referência a outros países.
Em relação aos
políticos, Bolsonaro abusa de palavrões.
"Que os
caras querem é a nossa hemorroida! É a nossa liberdade! Isso é uma verdade. O
que esses caras fizeram com o vírus, esse bosta desse governador de São Paulo
[Doria], esse estrume do Rio de Janeiro [Witzel], entre outros, é exatamente
isso. Aproveitaram o vírus, tá um bosta de um prefeito lá de Manaus [Arthur
Virgílio] agora, abrindo covas coletivas. Um bosta. Que quem não conhece a
história dele, procura conhecer, que eu conheci dentro da Câmara, com ele do
meu lado!", diz o mandatário.
A gravação vem
à tona um dia depois de Bolsonaro se reunir em uma
amistosa videoconferência com os governadores. Citando supostas
atitudes arbitrárias de governadores e prefeitos, Bolsonaro defende armar toda
a população.
"Eu
quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a
garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui!
Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo!"
O tom ofensivo
da reunião é replicado por ministros e auxiliares.
Abraham Weintraub (Educação), por
exemplo, diz que, se dependesse dele, colocaria "esses vagabundos todos na
cadeia", em referência aos ministros do STF. Damares Alves (Família e
Direitos Humanos) fala que sua pasta irá processar e pedir a prisão de
governadores e prefeitos, que, segundo ela, estariam adotando ações
arbitrárias no combate ao coronavírus.
Os arroubos
não se limitaram aos ministros. O presidente da Caixa, Pedro Guimarães,
disse que se um policial prendesse sua filha por descumprimento das regras de
distanciamento social, poderia “matar ou morrer”.
“Que porra é
essa? O cara vai pro camburão com a filha. Se fosse eu, ia pegar minhas quinze
armas e... ia dar uma... eu ia se... eu ia morrer. Porque se a minha filha
fosse pro camburão, eu ia matar ou morrer.”
Já Ricardo Salles (Meio
Ambiente) propõe que o governo aproveite a crise sanitária para aprovar
reformas infralegais, incluindo alterações ambientais.
“Precisa ter
um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no
aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a
boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas.”
As revelações
desta sexta ficarão a cargo da análise do procurador-geral da República,
Augusto Aras, indicado ao cargo por Bolsonaro e autor, até agora, de
manifestações favoráveis a interesses do Palácio do Planalto.
A decisão de
Celso de Mello tem 55 páginas e é a mais extensa proferida pelo ministro no
inquérito. Ele decidiu liberar a divulgação do vídeo afirmando, entre outros
pontos, que não há “espaço possível reservado ao mistério na vigência da
Constituição”.
Em nota, a
defesa de Sergio Moro disse que a decisão é "avanço democrático" e
vai "possibilitar às autoridades e à sociedade civil constatar a
veracidade das afirmações do ex-ministro".
1.
Atos pró golpe militar: O
STF autorizou a abertura de inquérito para investigar as manifestações
realizadas em 19 de abril, após pedido do procurador-geral da República,
Augusto Aras. O objetivo é apurar possível violação da Lei de Segurança
Nacional por "atos contra o regime da democracia brasileira por vários
cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do
STF". Pedro Ladeira/Pedro Ladeira/Folhapress
ENTENDA A INVESTIGAÇÃO QUE PODE AFASTAR JAIR BOLSONARO
Qual a origem
e o objetivo da apuração?
O inquérito foi aberto horas depois de Sergio Moro pedir demissão do Ministério da Justiça com acusações de que o presidente Jair Bolsonaro teria tentado interferir na PF. O objetivo da apuração é verificar se as afirmações do ex-ministro são verdadeiras ou se ele mentiu sobre o comportamento do chefe do Executivo.
Quais os
possíveis crimes investigados?
No pedido de abertura de inquérito, o procurador-geral da República, Augusto Aras, citou oito crimes que podem ter sido cometidos: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Nada impede, no entanto, que a investigação encontre outros crimes.
Moro também é
investigado?
Por quais supostos crimes? A PGR não afirma, no pedido para apurar o caso, os crimes que podem ser imputados a cada um. Interlocutores de Aras, porém, afirmam que os delitos possivelmente cometidos por Moro são denunciação caluniosa, crime contra a honra e prevaricação.
O que Moro
disse em depoimento à Polícia Federal?
O ex-ministro reafirmou as acusações feitas ao pedir demissão do Executivo e detalhou sua relação com Bolsonaro. Sobre a intromissão no trabalho da Polícia Federal, Moro revelou que, por mensagem, o presidente cobrou a substituição na Superintendência da PF no Rio de Janeiro.
O que
Bolsonaro diz sobre essas acusações do ex-ministro?
O presidente negou interferência na PF e que tenha pedido acesso a relatórios sigilosos. Também acusou o ex-ministro de vazar investigações que corriam sob sigilo a veículos de imprensa e ressaltou que a iniciativa pode se enquadrar na Lei de Segurança Nacional.
Quais podem
ser as consequências a Bolsonaro nessa investigação?
O presidente pode ser denunciado pela PGR e, se a acusação for aceita por dois terços da Câmara dos Deputados e o STF decidir abrir ação penal , ele será afastado automaticamente do cargo por 180 dias, até uma solução sobre a condenação ou não do investigado. Caso o Legislativo barre o prosseguimento das investigações, o processo voltará a correr após ele deixar o mandato.
Quem ainda
será ouvido pela Polícia Federal nessa investigação?
O suposto vazamento de uma investigação da PF ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, virou alvo de apuração da corporação no inquérito. O caso foi revelado à Folha pelo empresário Paulo Marinho, ouvido nesta semana.
Fonte: Folha de SP
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