A agenda conservadora do
presidente Jair Bolsonaro (sem partido) continua se
movendo em meio à pandemia do coronavírus, que já deixou milhares
de mortos no Brasil. Ofuscadas pela grave crise sanitária, política e econômica
que envolveu o país, uma série de escândalos do Governo nas áreas ambiental, de
educação e segurança pública, entre outras, ocorreu nestes quase 70 dias desde
que a covid-19 chegou ao país. O Planalto conseguiu colocar em movimento
políticas que são claros acenos para suas principais bases eleitorais: igrejas evangélicas, ruralistas, madeireiras,
mineradoras, desmatadores e armamentistas. Tudo feito em detrimento dos
direitos indígenas e ambientais, da educação e da redução da violência.
A área ambiental foi uma das que mais sofreu durante a pandemia.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deu sinais claros de que não
irá tolerar repressão aos garimpos de ouro (atualmente
ilegais) em terras indígenas. Exonerou, em 13 de abril, dois servidores de
carreira do Ibama: Renê Luiz de Oliveira, que ocupava o cargo de
coordenador-geral de fiscalização ambiental, e Hugo Ferreira Netto Loss, que
coordenava operações de fiscalização. Os dois apareceram em uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, que
mostrava o combate aos garimpeiros, inclusive com a destruição de seus
equipamentos, prevista por lei —e criticada por Bolsonaro. O presidente
encampou em 5 de fevereiro um projeto que autoriza a extração de ouro nas
terras indígenas. A medida, considerada por ele como uma “lei áurea” para os
povos nativos, é vista como uma tragédia pelos ambientalistas, e ainda precisa
ser aprovada no Congresso.
Salles também acenou aos desmatadores. No final de abril o
ministro recomendou aos órgãos sob sua batuta que desconsiderassem a Lei da Mata Atântica, uma legislação que
determina a recuperação de áreas desmatadas de maneira irregular antes de 2008.
Posteriormente, ele enviou ao presidente uma nova versão da lei, com o
objetivo, segundo ele, de “afastar a instabilidade técnica e jurídica" da
questão. No texto de sua lavra é permitido o desmate de áreas menores de 150
hectares sem autorização do Ibama, dentre outros retrocessos. O Ministério Público Federal reagiu, e pediu
que o Ibama “desconsidere um ato administrativo do Ministério do Meio Ambiente
e mantenha interdições, autos de infração e outras sanções aplicadas por
ocupação ilegal e degradação da Mata Atlântica no Estado de São Paulo”.
Pior fim, após a crise política e ambiental provocada pelas
queimadas na Amazônia Legal no final de 2019 —e sua
péssima repercussão internacional—, Bolsonaro autorizou, em decreto publicado
em 7 de maio, o uso das Forças Armadas em operação de Garantia da Lei e da
Ordem para combater as queimadas e desmatamento na região. A notícia poderia
ser um alento para ambientalistas, porém o decreto deixa uma brecha para que as
equipes do Ibama se sujeitem às decisões das Forças Armadas, que terão o
comando das ações de fato. Com isso, paira no ar a dúvida com relação à
efetividade desta medida. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), houve um aumento no número de alertas para desmatamento na Amazônia no
início de 2020 ante o mesmo período do ano passado.
Armamentos
O presidente Bolsonaro nunca escondeu seu desejo de armar a
população com a finalidade de garantir o “direito à autodefesa”, ainda que 100% dos estudos sérios conduzidos sobre o
tema apontam para o fato de que ter um revólver em casa é fator de risco para os moradores —principalmente
para a mulher, e especialmente neste período de quarentena. Em 17 de abril, o
mandatário revogou portarias do Comando Logístico do Exército adotadas em março
com a finalidade de tornar mais rígido o rastreio e a marcação de munições e
armas. Nas redes sociais, Bolsonaro anunciou que a medida foi tomada porque as
portarias “não se adequaram às minhas diretrizes definidas em decretos”. Na
prática, existe agora menos controle sobre o que é produzido e comercializado
no setor, o que pode inclusive dificultar a elucidação de crimes. Em outra
manobra para agradar seus eleitores armamentistas, em 23 de abril o presidente
publicou uma portaria que amplia em 12 vezes a quantidade de munições que as
pessoas podem comprar: de 50 para 600 por ano. Dependendo do tipo de arma, o
limite foi para 6.000 munições.
O Ministério Público Federal determinou no final de abril que o
Comando Logístico do Exército preste explicações sobre a revogação das
portarias. “Essas providências, imprescindíveis para a fiscalização do uso de armas de fogo e para a investigação de
ilícitos com o emprego de armas de fogo, eram reclamadas por especialistas em
segurança pública e também pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão”,
diz o pedido do MPF. Alguns procuradores acreditam que Bolsonaro pode ser
investigado por ter usurpado a competência do Exército ao derrubar as
portarias.
Já a educação sofreu seu mais recente retrocesso em 30 de abril,
com a exclusão de cursos de ciências humanas do
edital de 25.000 bolsas de iniciação científica do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq, deixando de fora milhares de estudantes de
filosofia, economia, ciências sociais, geografia entre outros. De acordo com o
órgão, a nova diretriz busca priorizar áreas do conhecimento mais voltadas para
tecnologia, um antigo desenho do presidente e de seus ministros da Educação e
Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, que sempre defenderam pesquisas
mais “práticas” e com retorno e aplicação imediatos. A repercussão da medida
fez com que o Governo recuasse parcialmente, e permitisse bolsas para ciências
humanas desde que “para o desenvolvimento das áreas de tecnologias”. De quebra
Bolsonaro demitiu em 17 de abril João Luiz Filgueiras de Azevedo, que comandava
o CNPq e lutava contra o esvaziamento da entidade e pleiteava mais verbas.
Em nota conjunta, mais de 70 entidades ligadas ao ensino e à
pesquisa —dentre elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a
Academia Brasileira de Ciências— criticaram a decisão do Governo, alegando que
ela fará com que “esses jovens sejam levados a desistir de certos temas de
pesquisa porque eles não estão vinculados diretamente às áreas de tecnologias
prioritárias ainda no início da carreira”.
Perdão de dívidas de igrejas
O presidente Bolsonaro tem se escorado cada vez mais no apoio
evangélico, seja no Congresso ou nas urnas. O mais recente aceno do mandatário
às igrejas ocorreu em abril, quando, segundo o jornal O Estado de
São Paulo, ele
acionou a Receita Federal para que o fisco estude demandas feitas por
lideranças evangélicas, que querem deixar de pagar dívidas com a União. O
secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, chegou a participar de reunião
com deputado David Soares (DEM-SP), filho do missionário R. R. Soares, líder da
Igreja Internacional da Graça de Deus. Segundo balanço feito no final do ano
passado, apenas a congregação de Soares deve 127 milhões de reais, e o total da
dívida das igrejas chega a 1 bilhão de reais.
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