O senador Delcídio do Amaral participou do maior ato político da
história do país. No domingo 13, ele pegou uma moto Harley-Davidson,
emprestada do irmão, e rumou para a Avenida Paulista, onde protestou
contra a corrupção e o governo do qual já foi líder. Delcídio se juntou à
multidão sem tirar o capacete. Temia ser reconhecido e hostilizado. Com
medo de ser obrigado pela polícia a remover o disfarce, ficou pouco
tempo entre os manifestantes, o suficiente para perceber que tomara a
decisão correta ao colaborar para as investigações. "Errei, mas não
roubei nem sou corrupto. Posso não ser santo, mas não sou bandido." Na
semana passada, Delcídio conversou com VEJA por mais de três horas.
Emocionou-se ao falar da família e ao revisitar as agruras dos três
meses de prisão. Licenciado do mandato por questões médicas, destacou o
papel de comando de Lula no petrolão, o de Dilma como herdeira e
beneficiária do esquema e a trama do governo para tentar obstruir as
investigações da Lava-Jato. O ex-líder do governo quer acertar suas
contas com a sociedade ajudando as autoridades a unir os poucos e
decisivos pontos que ainda faltam para expor todo o enredo do mais
audacioso caso de corrupção da história. A seguir, suas principais
revelações.
Por que delatar o governo do qual o senhor foi líder?
Eu
errei ao participar de uma operação destinada a calar uma testemunha,
mas errei a mando do Lula. Ele e a presidente Dilma é que tentam de
forma sistemática obstruir os trabalhos da Justiça, como ficou claro com
a divulgação das conversas gravadas entre os dois. O Lula negociou
diretamente com as bancadas as indicações para as diretorias da
Petrobras e tinha pleno conhecimento do uso que os partidos faziam das
diretorias, principalmente no que diz respeito ao financiamento de
campanhas. O Lula comandava o esquema.
Qual é o grau de envolvimento da presidente Dilma?
A
Dilma herdou e se beneficiou diretamente do esquema, que financiou as
campanhas eleitorais dela. A Dilma também sabia de tudo. A diferença é
que ela fingia não ter nada a ver com o caso.
Lula e Dilma atuam em sintonia para abafar as investigações?
Nem
sempre foi assim. O Lula tinha a certeza de que a Dilma e o José
Eduardo Cardozo (ex-ministro da Justiça, o atual titular da
Advocacia-Geral da União) tinham um acordo cujo objetivo era blindá-la
contra as investigações. A condenação dele seria a redenção dela, que
poderia, então, posar de defensora intransigente do combate à corrupção.
O governo poderia não ir bem em outras frentes, mas ela seria lembrada
como a presidente que lutou contra a corrupção.
Como o ex-presidente reagia a essa estratégia de Dilma?
Com
pragmatismo. O Lula sabia que eu tinha acesso aos servidores da
Petrobras e a executivos de empreiteiras que tinham contratos com a
estatal. Ele me consultava para saber o que esses personagens ameaçavam
contar e os riscos que ele, Lula, enfrentaria nas próximas etapas da
investigação. Mas sempre alegava que estava preocupado com a
possibilidade de fulano ou beltrano serem alcançados pela Lava-Jato. O
Lula queria parecer solidário, mas estava mesmo era cuidando dos
próprios interesses. Tanto que me pediu que eu procurasse e acalmasse o
Nestor Cerveró, o José Carlos Bumlai e o Renato Duque. Na primeira vez
em que o Lula me procurou, eu nem era líder do governo. Foi logo depois
da prisão do Paulo Roberto Costa (ex-diretor de Abastecimento da
Petrobras, preso em março de 2014). Ele estava muito preocupado. Sabia
do tamanho do Paulo Roberto na operação, da profusão de negócios
fechados por ele e do amplo leque de partidos e políticos que ele
atendia. O Lula me disse assim: "É bom a gente acompanhar isso aí. Tem
muita gente pendurada lá, inclusive do PT". Na época, ninguém imaginava
aonde isso ia chegar.
Quem mais ajudava o ex-presidente na Lava-Jato?
O
cara da confiança do Lula é o ex-deputado Sigmaringa Seixas (advogado
do ex-presidente e da OAS), que participou ativamente da escolha de
integrantes da cúpula do Poder Judiciário e tem relação de proximidade
com ministros dos tribunais superiores.
Quando Lula e Dilma passam a trabalhar juntos contra a Lava-Jato?
A
presidente sempre mantinha a visão de que nada tinha a ver com o
petrolão. Ela era convencida disso pelo Aloizio Mercadante (o atual
ministro da Educação), para quem a investigação só atingiria o governo
anterior e a cúpula do Congresso. Para Mercadante, Dilma escaparia
ilesa, fortalecida e pronta para imprimir sua marca no país. Lula sabia
da influência do Mercadante. Uma vez me disse que, se ele continuasse
atrapalhando, revelaria como o ministro se safou do caso dos aloprados
(em setembro de 2006, assessores de Mercadante, então candidato ao
governo de São Paulo, tentaram comprar um dossiê fajuto contra o tucano
José Serra). O Lula me disse uma vez bem assim: "Esse Mercadante... Ele
não sabe o que eu fiz para salvar a pele dele".
O que fez a presidente mudar de postura?
O
cerco da Lava-Jato ao Palácio do Planalto. O petrolão financiou a
reeleição da Dilma. O ministro Edinho Silva, tesoureiro da campanha em
2014, adotou o achaque como estratégia de arrecadação. Procurava os
empresários sempre com o mesmo discurso: "Você está com a gente ou não
está? Você quer ou não quer manter seus contratos?". A extorsão foi mais
ostensiva no segundo turno. O Edinho pressionou Ricardo Pessoa, da UTC,
José Antunes, da Engevix, e Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez. Acho
que Lula e Dilma começaram a ajustar os ponteiros em meados do ano
passado. Foi quando surgiu a ideia de nomeá-lo ministro.
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