Lewandowski chama imprensa para testemunhar encontro com Cunha

 


Em uma atitude raríssima no mundo político, e inédita em sua gestão, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, abriu nesta quarta-feira (23) as portas de seu gabinete para que a imprensa acompanhasse a audiência pedida a ele pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para discutir a decisão da corte que suspendeu o rito do impeachment no Legislativo. 

Cunha, que foi denunciado sob a acusação de integrar o petrolão e tem um pedido de afastamento do cargo e do mandato a ser analisado pelo próprio STF, chegou ao tribunal minutos antes das 14h e estava acompanhado de apenas dois deputados aliados, Jovair Arantes (PTB-GO) e Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ). 



Eduardo Cunha, presidente da Câmara, chega a encontro com presidente do STF, Ricardo Lewandowski   

O pequeno cortejo –o peemedebista havia chamado vários líderes partidários para tentar dar maior peso político ao encontro– demonstra o receio de deputados de aparecer na foto ao lado de um dos principais alvos da Lava Jato. Adversário, Alessandro Molon (Rede-RJ) chegou mais tarde para deixar claro que não acompanhava o peemedebista. 

O presidente da Câmara foi recebido na mesa de reuniões do gabinete de Lewandowski. A imprensa foi chamada para acompanhar a conversa a cerca de 5 metros de distância, na antessala do gabinete. Todo o encontro durou cerca de 30 minutos.
A atitude de Lewandowski lembra a do então presidente da República Itamar Franco no início dos anos 90, que de forma surpreendente abriu as portas de seu gabinete para que a imprensa acompanhasse audiência com o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). Na época, ACM prometia mostrar um dossiê arrasador –o que não se confirmou– contra Jutahy Magalhães, então ministro de Itamar. 

Nos bastidores do STF, ministros comentam que o objetivo do presidente do tribunal foi demonstrar explicitamente o desconforto da corte em relação a postura de Cunha de marcar reuniões de última hora e mandar recados, além de barrar qualquer tentativa de pressão ou conversa fora do padrão institucional nesse momento de crise política. 

VOZ BAIXA
 
No encontro desta quarta, o presidente da Câmara, que estava em uma posição da mesa que o deixou de costas para os repórteres, foi o primeiro a falar, em tom de voz baixo. Ele pediu a Lewandowski celeridade na divulgação do acórdão [publicação do resultado do julgamento] da decisão dos ministros que suspendeu o rito do impeachment. 

Isso porque, segundo ele, há uma série de dúvidas entre os deputados que podem inviabilizar outras atividades legislativas da Câmara, resultando em uma "grave" paralisia institucional. 

"Os votos dos ministros não nos permitiram esclarecer essas dúvidas, então peço que esses esclarecimentos possam ocorrer o mais rapidamente possível", disse Cunha, em um dos momentos em que foi possível ouvir suas palavras à distância. 

No último dia 17, o STF anulou todo o rito definido por ele para o impeachment de Dilma Rousseff –entre outros pontos a votação secreta e a possibilidade de chapa avulsa para a composição da comissão que irá analisar o caso. Após isso, o peemedebista tem dito que a decisão pode paralisar a Câmara já que a formação das outras comissões da Casa abrangem votação secreta e possibilidade de candidaturas avulsas para os postos-chave. 

Em resposta à manifestação inicial de Cunha, Lewandowski, que se sentou à cabeceira da mesa, afirmou que irá dar prioridade à divulgação do acórdão –"Não haveria intenção da minha parte de postergar matéria tão importante quando essa"–, mas que isso segue um rito regimental. Que os ministros têm até 19 de fevereiro para liberarem seus votos e que, após isso, o tribunal tem até 60 dias para publicar o acórdão. 

E deixou claro dois pontos a Cunha: que, em seu entender, não há margem para dúvidas sobre a decisão, que trata apenas da comissão do impeachment, não de qualquer outra. E que ele não irá esclarecer dúvidas informalmente, que elas só poderão ser feitas pelo plenário do tribunal, em resposta aos chamados "embargos" [recursos para esclarecer dúvidas] que serão apresentados pela Câmara. 

Lewandowski passou ainda a Cunha a ata da sessão e o voto do ministro Luís Roberto Barroso, que acabou sendo o indutor do resultado do julgamento, já liberado pelo ministro. 

"A ata da sessão reflete o mais fielmente possível o que aconteceu na sessão, além do voto do ministro Barroso. (...) Não há margem para dúvida pela minuciosidade e a forma explícita como foi decidida a questão", afirmou o presidente do Supremo, acrescentando: "Não podemos antecipar qualquer dúvida da Câmara porque não podemos responder nada hipoteticamente". 

Cunha insistiu, afirmando que os esclarecimentos eram necessários porque "as dúvidas tem repercussão na Casa que podem paralisar o funcionamento da Câmara." Lewandowski rebateu novamente: "O voto do ministro Barroso deixa bem claro que a decisão se refere à comissão do impeachment, não se refere a outras comissões". 

Cunha afirmou ao final que a Câmara deve apresentar seus embargos no início de fevereiro, antes da publicação do acórdão. Mais uma vez, Lewandowski fez ressalvas. Disse que parte do tribunal entende que embargos antes do acórdão são incabíveis por se tratar, na visão desses ministros, de "futurologia". 

Lewandowski encerrou o encontro desejando feliz Natal a todos e "paz e tranquilidade para o país em 2016". 

Na saída do tribunal o presidente da Câmara negou constrangimento: "Nós concordamos [com a reunião aberta]. Não há nenhum segredo no tema que está sendo tratado, que é de interesse público", disse Cunha.

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