Embora esteja considerado
atualmente "morto", o rio Doce, que recebeu mais de 25 mil piscinas
olímpicas de lama proveniente do rompimento da barragem da mineradora
Samarco, em Mariana (MG), "vai ressuscitar" em até cinco meses, no final
da época de chuvas, em abril do próximo ano.
A
afirmação é de Paulo Rosman, professor de Engenharia Costeira da
COPPE/UFRJ e autor de um estudo encomendado pelo Ministério do Meio
Ambiente para avaliar os impactos e a extensão da chegada da lama ao
mar, ocorrida no último domingo e que afeta a costa do Espírito Santo.
Embora
especialistas tenham divulgado previsões de danos catastróficos, que
incluiriam danos à reserva marinha de Abrolhos, no sul da Bahia, e um
espalhamento da lama por até 10 mil m², Rosman afirma que os efeitos no
mar serão "desprezíveis", que o material se espalhará por no máximo 9 km
e que em poucos dias a coloração barrenta deve se dissipar.
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Para
ele, há três diferentes cenários de gravidade do desastre e de
velocidade de recuperação. No alto, onde a barragem se rompeu, próximo
ao distrito de Bento Rodrigues, deve durar mais de um ano e dependerá de
operações de limpeza dos escombros e de um programa de reflorestamento.
Para ele, a sociedade e os governos mineiro e federal precisam cobrar
de Vale e BHP Hillington, donas da Samarco, o processo de
reflorestamento e reconstrução ambiental, de custo "insignificante" para
as empresas.
Ele diz que, na
maior parte do percurso do rio Doce, as próprias chuvas devem limpar os
estragos e os peixes devem voltar ao rio no período de cinco meses, e,
no mar, a diluição dos sedimentos deve ocorrer de forma mais rápida -
até janeiro do próximo ano.
Ao
mesmo tempo, o especialista considera "inaceitável" que o governo
permita que as pessoas voltem a morar nas regiões afetadas e que seria
"criminoso" não retirar os outros povoados que se encontram nas linhas
de avalanche de outras barragens.
Leia os principais trechos da entrevista:
BBC
Brasil - Nos últimos dias, especialistas, ativistas, moradores,
pescadores e indígenas têm repetido que o rio Doce "está morto". O
senhor diz que ele "vai ressuscitar". Como isto deve acontecer?
Paulo Rosman -
Eu vou repetir um chavão muito conhecido: o tempo é o senhor da razão.
Há a visão quantitativa e fria do pesquisador, do cientista, e a visão
emocional e por vezes desesperada do morador, do pescador e do índio. Os
dois estão expressando as suas razões. Nenhum dos dois está certo ou
errado.
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No caso da ciência
as coisas são mais factuais, quantitativas, mais numéricas. No caso do
indígena, ele constata e sofre com a "morte" do rio. A diferença é que o
rio está morto neste momento, é verdade, mas ressuscitará muito
rapidamente, e eles vão poder comprovar isso.
Há
muitos exemplos de acidentes muito mais graves e mais sérios do que
este da barragem de Mariana. Veja a erupção vulcânica do monte Santa
Helena, nos Estados Unidos (em 1980). Foi tudo devastado e destruído,
numa área imensamente maior. Você vai lá hoje e vê que os animais
voltaram e a mata voltou.
Para
fazer a conta, você tem que pegar o peso da lama e dividir pela massa
específica dessa lama. Se neste momento eu tenho 4 kg/m³ de água e for
dividir pela massa da lama, dá mais ou menos 1,3 mm. Então isso
significa que se esses sedimentos todos se depositassem no fundo do rio
formariam um tapete de 1 mm de espessura, o que nem vai acontecer,
porque a correnteza vai levar.
As fortes chuvas entre novembro e abril "lavarão" o rio Doce, num processo natural.
Digo
isso baseado em quantidades de sedimentos, em conhecimentos de
processos sedimentológicos, na dinâmica de transporte desses sedimentos
pelas correntes dos rios, dos estuários, das zonas costeiras. Então
essas coisas são relativamente rápidas, a natureza se adapta, se
reconstrói, se modifica.
BBC
Brasil - Como o senhor avalia a mortandade e o retorno de peixes ao
rio, posteriormente? E como responde a especialistas que avaliam que a
recuperação da área e do rio pode levar mais de dez anos?
Rosman -
A onda de lama matou os peixes, mas o volume, pelo que eu vi publicado
nos jornais, representa uma quantidade muito baixa. A não ser que tenha
havido algum erro de cálculo, foi divulgado que morreram 8 mil kg de
peixes no rio Doce. Veja, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de
Janeiro: quando há uma baixa mortandade, estamos falando em 70 mil
peixes, mas este número pode chegar a 200 mil, e depois sempre há o
retorno. A gente sabe que não demora muito para que a Lagoa encha de
peixe de novo.
Quanto aos
comentários de especialistas citados, eu diria apenas que eu espero que
eles estejam enganados. Não vou entrar em discussão. Mas basta olhar
coisas que já aconteceram. Por exemplo, a quantidade de sedimentos que
desceu dentro do rio Itajaí-Açu (SC), no final de 2008, quando caíram
inúmeras encostas no vale do Itajaí, na região de Itajaí e Blumenau.
Houve um desmoronamento do cais do porto, um mega-assoreamento do canal
do porto de Itajaí, sem contar diversas mortes na tragédia. Foi um
evento natural, e em quantitativos ele é extremamente maior do que esse
do rio Doce.
E o porto de
Itajaí está lá, o rio Itajaí-Açú está lá, Blumenau está lá. O rio voltou
ao normal. Sinceramente eu acho que essas pessoas estão sendo movidas
pelo impacto humano da tragédia, pela emoção. As mortes e os prejuízos
são dores e perdas eternas. Mas temos que separar. Para voltar para o
plano racional, só deixando o tempo passar.
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BBC
Brasil - É possível mensurar a quantidade de sedimentos que chegou ao
mar do Espírito Santo e o impacto ambiental disso? Dias atrás cientistas
cogitaram impactos catastróficos nos ecossistemas marinhos da região.
Rosman -
Sim. De acordo com os últimos números, a concentração a 10 km de
distância da foz do rio Doce, onde a lama teve contato com o mar, está
entre 50 e 20 mg/l de sedimentos em suspensão. Isto é muito
insignificante para ser considerado um risco ambiental. É absolutamente
desprezível.
Para se ter uma
ideia, a água transparente do mar, costeira, tem tipicamente 5 mg/l de
sedimentos em suspensão. A água dentro de uma baía tem tipicamente entre
50 mg/l a 100 mg/l de sedimentos em suspensão. A água de um rio com cor
barrenta tem em torno de 500 mg/l de sedimentos de suspensão, são todos
dados naturais.
Rios muito barrentos, como o Amazonas, têm entre 1.500 e 2.000 mg/l de sedimentos em suspensão na época de cheia.
Então
se a 10 km da foz do rio Doce você vai ter concentrações de no máximo
50 mg/l no mar, embora você veja a coloração diferente por mais algumas
semanas, é óbvio que não estamos falando de danos ambientais.
Diferentemente de um vazamento de petróleo, que você usa bactérias para
decompor e limpar - e leva tempo e gera mortalidade de vida marinha
muito maior -, no caso atual você não tem como "limpar" a lama no mar.
Ela se dilui naturalmente, sozinha.
Mesmo
que você tenha um padrão de ventos que gere correntes fora do usual, a
distância é tão grande e a diluição é de tal ordem que não causaria
efeitos danosos em Abrolhos.
BBC
Brasil - E quanto à composição destes sedimentos que compõem a lama? É
possível que seja descoberto que têm uma toxicidade muito maior do que
se imagina e que possa causar danos futuros?
Rosman -
Risco sempre há, mas não tenho razões para acreditar nisso. Já ouvi
pessoas que não são da área darem prognósticos devastadores quanto à
toxicidade desse material. E já ouvi pessoas que são especializadas, da
área de geologia, e que conhecem muito bem isso, dizerem o oposto, que
se trata de um material de baixa toxicidade.
Então
não tem grandes impactos persistentes no longo prazo. As pessoas podem
tirar da cabeça essa ideia de que se trata de algo radioativo, de um
veneno ambiental que vai matar tudo e nunca vai sair do chão. Não é nada
disso.
Para você ter uma
ideia, a doutora Marilene Ramos, que é a presidente do Ibama, tem
doutorado em mecânicas do solo. Ela fala inclusive com um conhecimento
específico de solo muito maior do que o meu. Ela me disse que esse
material não é de alta toxicidade e que é basicamente areia fina, argila
e óxido de ferro. Claro que tem traços de outras substâncias, mas em
concentrações muito baixas, que não oferecem risco.
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BBC Brasil
- Na sua opinião o que deveria ser feito no distrito de Bento Rodrigues
(MG), o vilarejo mais devastado pela avalanche de lama? Como limpar ou
recuperar o local? E quanto isto pode custar?
Rosman -
Primeiramente o governo de Minas Gerais precisará avaliar o que retirar
de escombros, de estruturas danificadas, e ver se deixa algo como marco
simbólico da tragédia. É um absurdo permitir o retorno das pessoas para
aquele local.
Se eu fosse o
governo de Minas Gerais obrigaria a Samarco a fazer um parque memorial
ali. Fazer um projeto bonito, fazer um paisagismo, uma correção de solo,
um jardim, e ficaria como memória, com homenagem às pessoas que
sofreram essa desgraça toda. Ninguém vai poder voltar a morar ali.
BBC
Brasil - O senhor orientaria o governo mineiro a retirar os outros
povoados que estão na linha de avalanche de outras barragens de rejeito
de mineração?
Rosman -
Com certeza. Muitas vezes os povoados se formam próximo às barragens
porque atraem empregos e comércio. Mas o poder público não poderia
permitir a instalação de povoados em áreas de passagem de eventos como
esse que ocorreu. Hoje não faltam ferramentas computacionais que nos
permitem simular um rompimento de uma barragem e mostrar qual é a trilha
de percurso da avalanche. Atualmente é inaceitável e injustificável ter
povoados em rotas de avalanche de barragens, ninguém poderia morar
nestes locais.
BBC Brasil - O senhor considera que isto foi uma irresponsabilidade dos atores envolvidos?
Rosman -
Olha, irresponsabilidade é quando você tem consciência do fato e não
faz nada. Tudo é óbvio depois que você já sabe o que aconteceu. Ou seja,
a partir de agora, deste exemplo dramático e catastrófico, se o governo
não tomar medidas para realocar pessoas em áreas de alto risco, em
outros locais onde se sabe que poderia ocorrer algo semelhante a Mariana
ou até pior, eu diria que estaríamos falando de uma atitude mais do que
irresponsável, mas sim criminosa.
Há
duas opções. Você pode remover o povoado para outro local, ou se o
povoado for grande demais, você embarga o negócio lá em cima. Para de
usar a barragem, estabiliza, deixa secar, e pronto. Transfere a
atividade para outro lugar. Tem que ver o que é mais viável.
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