“Em nenhum país do mundo com cultura menos corrupta que a do Brasil, a presidência de um poder seria ocupada por alguém acusado (com provas exuberantes) de ter recebido US$ 5 milhões de propina”. Jurista aponta os 9 caminhos que podem levar Eduardo Cunha para a prisão
Na condenação de Eduardo Cunha (se tudo ficar
provado) caberá ao STF definir o tempo de duração da pena de prisão
assim como o regime cabível (fechado, semiaberto ou aberto)
Luiz Flávio Gomes*
Acabam de chegar da Suíça todos os detalhes de, pelo menos, quatro
contas bancárias clandestinas de Eduardo Cunha e família (PMDB-RJ).
Movimentação de uns US$ 5 milhões de propinas. Durante um bom tempo, com
ar de “mocinho” salvador da pátria, Eduardo Cunha, batendo forte em
Dilma e no PT (como mandava o figurino), gerou imensa alegria na
população e até mesmo a esperança de que iria conseguir tirá-los do
poder antes de 2018. As massas rebeladas, indignadas com as crises,
aplaudiram suas travessuras, chamadas de “pautas-bombas”, mesmo quando
destrutivas do país. Mas isso não é novidade. Como dizia Ortega y
Gasset, as massas quando protestam contra a falta de pão costumam
quebrar e destruir tudo, inclusive as padarias. Jogam a bacia cheia
d’água com a criança dentro.
Seis delatores (até aqui) estão revelando que o presidente da Câmara
dos Deputados, na verdade, não é o “mocinho” que aparenta. Eles o acusam
de ser um grande Al Capone (lavagem de dinheiro, corrupção passiva,
crime organizado etc.). Em apenas uma das “negociatas” atribuídas ao
peemedebista, ele teria recebido US$ 5 milhões de propina (que teriam
sido pagos pela Samsung e Mitsui). Agora o Ministério Público da Suíça
(que o investigou desde abril) mandou todas as provas colhidas para o
Ministério Público brasileiro.
Em março, Eduardo Cunha, na CPI da Petrobras, afirmou que não tinha
conta fora do Brasil. Mentiu. Essa falta de decoro tem que lhe custar,
no mínimo, o mandato de presidente da Câmara. Sua tropa, até aqui
conivente com suas extravagâncias e vulgaridades, se não cassar seu
cargo diretivo (ou mesmo seu mandato), vai para o Otary Club.
Juridicamente falando, os próximos passos (dentro do Estado de
Direito) que podem levar Eduardo Cunha para o presídio da Papuda são os
seguintes:
1. É preciso que o STF receba a denúncia já oferecida (assim como as
que serão oferecidas) contra ele (há indícios mais do que suficientes
para isso). Esse ato é do Plenário (não só da 2ª Turma, por onde tramita
o caso Petrobras), por se tratar do presidente da Câmara dos Deputados.
2. Nossa tese (de Márlon Reis e minha) é no sentido de que o
recebimento da denúncia contra qualquer um dos ocupantes de cargos na
linha sucessória da Presidência da República (vice-presidente e
presidentes da Câmara, do Senado e do STF) gera automaticamente o seu
afastamento do cargo diretivo (tal como se dá no afastamento do
Presidente da República, nos termos do art. 86, § 1º, da CF). Se esse
afastamento não for automático, cabe impô-lo por força do art. 319, VI,
do CPP (porque o réu está usando a estrutura da Câmara para fazer sua
defesa, já teria ameaçado testemunhas, há indícios de destruição de
provas etc.).
3. Outra hipótese possível, para além da sua cassação imperiosa por
falta de decoro, é sua renúncia ao cargo de presidente da Câmara (tal
como fizera Severino Cavalcanti, por exemplo). Aliás, logo que for
mostrado um extrato bancário das suas contas na Suíça, torna-se
insustentável sua permanência nesse cargo diretivo. Sob pena de subir
nosso grau de “investimento”, ou melhor, nosso grau de “mafiocracia”.
Nenhum poder pode ser chefiado por quem tem conta bancária de propinas
na Suíça. Até a desfaçatez tem limite. Ninguém pode ficar impune quando
se enrola em sua própria esperteza.
4. Em nenhum país do mundo com cultura menos corrupta que a do Brasil
(os dez melhores colocados no ranking da Transparência Internacional,
por exemplo) a presidência de um poder seria ocupada por alguém acusado
(com provas exuberantes) de ter recebido US$ 5 milhões de propina. A
cultura desses países (do império da lei e da certeza do castigo) é
totalmente distinta da permissividade que vigora nas mafiocracias (cleptocracia com envolvimento de grandes corporações econômicas e financeiras).
5. A prisão de Eduardo Cunha (se todas as acusações ficarem provadas) só pode ocorrer depois de condenação criminal com trânsito em julgado. Não cabe prisão preventiva
contra deputados e senadores, desde a expedição do diploma respectivo
(CF, art. 53, § 2º). Eles só podem ser presos em flagrante, em crime
inafiançável. Fora do flagrante, nenhuma outra prisão cautelar (antes da
sentença final) cabe contra deputado ou senador (trata-se de um
privilégio que jamais deveria existir, salvo quando em jogo está a
independência parlamentar).
6. Ninguém pode ser condenado criminalmente sem provas válidas.
As provas são produzidas dentro do devido processo legal. As delações
premiadas, isoladamente, não podem ser utilizadas para condenar quem
quer seja. As delações são válidas somente quando comprovadas em juízo.
No caso de Eduardo Cunha as provas estão aparecendo diariamente. Com
base nessas provas sua condenação será inevitável.
7. Depois da condenação penal definitiva cabe à Câmara decidir sobre a
perda do mandato parlamentar (CF, art. 55, § 2º). Caberia ao STF rever
esse ponto, para dar eficácia imediata para sua sentença condenatória
assim como para a perda do cargo (decretada por força do art. 92 do CP).
8. Na condenação de Eduardo Cunha (se tudo ficar provado) caberá ao STF definir o tempo de duração da pena de prisão
assim como o regime cabível (fechado, semiaberto ou aberto). Pena acima
de quatro anos, no mínimo é o regime semiaberto. Pena superior a 8
anos, o regime é obrigatoriamente o fechado. Pela quantidade de crimes
imputados a Eduardo Cunha e pelo volume de dinheiro que foi surrupiado
do povo brasileiro, é muito grande a chance de acontecer o regime
fechado (terá que ir para um presídio, como a Papuda, por exemplo).
9. Logo após o trânsito em julgado a Corte Suprema emite a carta de guia
e o condenado começa a cumprir sua pena, em estabelecimento penal
compatível com o regime fixado na sentença (reitere-se, muito
provavelmente o fechado).
Esse decrépito e maligno estilo de fazer política (por meio da
fraude, do financiamento mafioso de campanha, dos privilégios
indecorosos, dos salários e vantagens estapafúrdios etc.) tem que ser
banido do nosso horizonte. A mudança cultural necessária passa pelo
sentimento de vergonha (veja Kwame Anthony Appiah). Isso
precisa ser recuperado. O ato de corrupção precisa gerar vergonha (no
eleito, nos seus familiares assim como nos eleitores coniventes com
ela). Foi a vergonha que acabou com a tradição milenar de amarrar os pés
das chinesas, com o duelo etc. A vergonha promove mudanças culturais.
Eduardo Cunha, com suas espalhafatosas “pautas-bombas”, manipulou
como ninguém as emoções das massas jogando inescrupulosamente para elas.
Faltou na sua estratégia, no entanto, reler Nietzsche, que nos adverte
que o que mais gera prazer na população (certamente depois dos orgasmos)
é a condenação e prisão de um criminoso, sobretudo quando poderoso. A
vingança é festa (Nietzsche). Na performance de “mocinho” ele promoveu
imenso entretenimento ao povo; mas nada supera o escalofriante frisson
gerado pela condenação criminal de um poderoso que, eleito como bode
expiatório, traz um imenso alívio para as almas dos pecadores
espectadores. O cadeião, para muitos devassos do dinheiro público, é o
preço que os larápios pagam pelos seus prazeres. Mas isso (que é
necessário) é puro espetáculo. Faz parte do carnaval. O Brasil, no
entanto, para ter um futuro civilizado, precisa de algo que represente
muito mais que um carnaval. Mudança de cultura, que passa pelo
restabelecimento da vergonha.
*Luiz Flávio Gomes
é Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade
Complutense de Madri (2001), Mestre em Direito Penal pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo (1989). Professor de Direito Penal e
Processo Penal em vários cursos de pós-graduação, dentre eles a Facultad de Derecho de la Universidad Austral (Buenos Aires, Argentina) e UNISUL, de Santa Catarina. É professor honorário da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa María, em Arequipa, no Peru.
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