O governo derrubou um dos pilares do Brasil
Carinhoso, programa social criado em 2012 para garantir o acesso e a
permanência de crianças na educação infantil.
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) — A proposta do novo
programa social do governo, o Auxílio Brasil, enviada pelo presidente Jair
Bolsonaro, retira recursos destinados às prefeituras para a educação de
crianças carentes. O mesmo projeto estabelece o pagamento de voucher diretamente
para creches privadas.
O governo derrubou um dos pilares do Brasil
Carinhoso, programa social criado em 2012 para garantir o acesso e a
permanência de crianças na educação infantil.
O objetivo era complementar a política de
transferência de renda a famílias pobres e extremamente pobres, o Bolsa
Família.
O trecho revogado obrigava a União a repassar aos
municípios uma ajuda financeira adicional para vagas em creches e
desenvolvimento educacional de crianças de zero a dois anos de idade que sejam
de famílias beneficiárias de programas sociais.
Por outro lado, na mesma proposta, que cria o
Auxílio Brasil, Bolsonaro quer que sejam feitos repasses de dinheiro público
diretamente para as creches credenciadas pelo governo, podendo inclusive ser do
setor privado.
Bolsonaro criou o Auxílio Brasil de olho em 2022.
Além de aumentar o gasto na área social, o objetivo é substituir o Bolsa
Família, programa associado à gestão petista.
Pesquisas eleitorais apontam que o principal
adversário do presidente na corrida eleitoral é Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
-com vantagem para o petista.
O Auxílio Brasil foi criado por medida provisória
apresentada nesta semana ao Congresso. Uma medida provisória entra em vigor
imediatamente, mas precisa do aval do Legislativo em 120 dias para não perder a
validade.
A proposta não prevê valores para o voucher,
chamado de Auxílio Criança Cidadã, e estabelece que o governo fará
regulamentação do programa posteriormente. Caberá ao Ministério da Cidadania
definir as regras de implementação de acordo com a disponibilidade
orçamentária.
O voucher será pago diretamente às creches
habilitadas e poderá ser usado por beneficiários do Auxílio Brasil com filhos
de até quatro anos. A medida não afeta o auxílio-creche ao qual trabalhadores
do setor privado têm direito.
A concessão do benefício do programa social é
condicionada à inexistência de vaga na rede pública ou em creche privada
conveniada ao governo. A vaga só será disponibilizada se o responsável pela
criança comprovar ampliação de renda por atividade remunerada ou vínculo formal
de emprego.
A MP afirma que esse auxílio tem caráter
suplementar e não afasta a obrigação de o governo oferecer atendimento e
expansão de creches na rede pública de ensino.
No Brasil Carinhoso, o governo federal repassa os
recursos diretamente aos municípios. As transferências aos entes, que
ultrapassaram R$ 1 bilhão em 2014, em valor corrigido pela inflação, foram
diminuindo ano a ano e somaram cerca de R$ 8 milhões em 2020.
Agora, com a edição da MP, esses repasses serão
extintos integralmente.
Procurado, o Ministério da Cidadania, responsável
pelos programas sociais, não quis comentar o fim do mecanismo. A pasta também
não respondeu se a medida foi adotada para compensar e viabilizar recursos para
o voucher pago direto a creches, que, como reforçou a pasta, ainda será
detalhado em regulamentação.
A Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais
de Educação) diz que o corte na verba para as prefeituras é um retrocesso, pois
as transferências estimulavam gestores municipais a abrirem creches em áreas
mais pobres.
O presidente da Undime, Luiz Miguel Martins Garcia,
afirma que a principal fonte de recursos para a educação infantil nos
municípios é o Fundeb (fundo para a educação básica), que ganhará mais verba da
União para os próximos anos.
No entanto, o dinheiro do Brasil Carinhoso é visto
como um complemento importante por ser focado na população mais vulnerável, do
Bolsa Família.
"São crianças que precisam de apoio
complementar, até mesmo na alimentação. Esses repasses serviam como incentivo
para ampliar a oferta de vagas e sobretudo construir novas creches nas áreas
mais carentes", diz.
Na avaliação da presidente do conselho do Cenpec
(Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), Anna
Helena Altenfelder, o mecanismo do voucher é ineficiente e acirra
desigualdades. Segundo ela, o sistema é usado no Chile e não gera bons
resultados.
"As famílias que conseguem complementar esse
voucher colocam o filho nas melhores escolas, e quem não consegue acaba ficando
com escolas de pior qualidade ou escolas públicas, que, por causa dessa
política de vouchers, acabam não sendo foco das políticas necessárias e são de
menor qualidade", afirma.
Para a professora, é errada a ideia de que o ensino
privado sempre será melhor do que o público.
Ainda assim, ela afirma que, considerando a criação
dos vouchers no Brasil, para evitar conflitos de interesse, esse tipo de vale
deveria ser liberado apenas para estabelecimentos comunitários ou
filantrópicos, sem fins lucrativos.
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