Novo presidente da CBF presidia federação com dinheiro público



Financiado pelo governo do Pará e pela CBF, aliado de ligas e clubes amadores e favorecido pela idade.

Foi assim que Antônio Carlos Nunes, 77, coronel da reserva da Polícia Militar paraense, manteve-se no poder por mais de 20 anos na federação de futebol local e chegou ao comando da CBF.
Longe de ser um cartola de sucesso, ele foi escolhido no início do mês por Marco Polo Del Nero para substituí-lo nos próximos 150 dias.
Acusado pela Justiça dos EUA de participação em esquema de corrupção, Del Nero optou por coronel Nunes, como é conhecido, devido à fidelidade dele.
Fotos com Ricardo Teixeira e João Havelange, ambos também investigados por corrupção no esporte, estampam as paredes do seu gabinete na federação do Pará.
Agora Nunes terá que aprender a comandar uma entidade sem ajuda de cofres públicos. Investigada pela CPI do Senado, a CBF não recebe de governo para evitar intervenção, realidade diferente da vivida no Pará.
Na terça (19), o governador Simão Jatene (PSDB) repassará cerca de R$ 8 milhões para bancar o Campeonato Estadual. A federação vai receber por volta de R$ 1,3 milhão somente para organizar o evento. O governo local paga aos clubes até os direitos de TV da competição, transmitida pela emissora estadual.
"O coronel está há duas décadas no comando do futebol daqui e não conseguiu tornar a federação financeiramente independente. Se o governo entrar em crise, o futebol acaba", disse o empresário Luiz Omar, ex-presidente do Paysandu derrotado na última eleição na federação.
Procurado, Nunes não concedeu entrevista.
Segundo o último balanço, a entidade fechou 2014 com lucro de R$ 110 mil. A CBF teve R$ 51 milhões.
Vice da federação e presidente interino na ausência de Nunes, Maurício Bororó defende o modelo. "A dificuldade para captar patrocinadores aqui é imensa. Aqui tudo é transparente e já tem mais de uma década que renovamos o convênio independente do partido que comande o Estado", disse Bororó, ex-vereador de Belém pelo PP.
Atualmente, o futebol local está fora da elite. Na Série B, o Paysandu é o time com maior exposição nacional.

AGRADOS
 
Omar afirma que o coronel da PM tem se mantido no poder reproduzindo o modelo criado pela própria CBF.
A entidade nacional repassa mensalmente cerca de R$ 50 mil mensais às federações aliadas, além de R$ 15 mil aos presidentes das entidades. A ajuda financeira viabiliza eleitores fiéis na CBF.
"Como a CBF, o coronel percorre o Estado agradando dirigentes das ligas amadoras e distribuindo brindes e material esportivo dados pela CBF. É muito difícil concorrer contra esse poder", disse.
No último pleito, 165 entidades participaram da escolha –108 ligas, 27 clubes profissionais e 30 amadores.
Remo e Paysandu, donos das maiores torcidas do Estado, têm quatro votos no pleito. Clubes menores, que contam com futebol feminino, tiveram direito a cinco.
Com esse modelo eleitoral, Nunes tem se perpetuado no comando do futebol do Pará.
Há 20 anos sob condução dele, a federação fica em casa modesta de dois andares no bairro de Guamá, um dos mais violentos da capital. A sala do cartola –onde se encontram pinturas que o retratam– tem vista para o cemitério de Santa Isabel.
A construção contrasta com o edifício da CBF, onde o dirigente despacha diariamente desde o início do mês. Localizado na Barra da Tijuca, no Rio, a sede da entidade custou R$ 100 milhões.
Vice mais velho da CBF, o dirigente deixou de ser coadjuvante em dezembro. Eleito às pressas com apoio de Del Nero para evitar a posse do opositor Delfim Peixoto, 75, coronel Nunes é atualmente o primeiro na linha sucessão da CBF –pelo estatuto, o vice mais velho assume o poder em caso de renúncia do presidente da entidade.
Há 19 anos, a idade também o ajudou. Em 1997, Nunes empatou no pleito da federação paraense com Euclides Freitas Filho. O ano de nascimento era critério de desempate. Mais velho que o rival, iniciou o domínio regional.
"O destino também fez a CBF cair no colo dele. Foi outra dádiva de Deus. Ele não fez campanha ou armação", disse Bororó.

DITADURA
 
Coronel Nunes ficou famoso no Pará por comandar o Batalhão de Choque. Entrou na Polícia Militar em 1967 e só a deixou em 1991.
Na ditadura militar, foi nomeado prefeito de Monte Alegre, sua cidade natal. Também foi deputado estadual.
Antes, serviu na Aeronáutica entre 1957 e 1966, quando foi obrigado a dar baixa como cabo. Os militares suspeitavam que integrantes do batalhão ajudavam a oposição ao regime e decidiram demitir os membros do grupo.
A demissão foi considerada perseguição política, o que lhe garantiu uma indenização de R$ 243 mil e um salário de R$ 14 mil.
Os outros militares demitidos se reúnem diariamente. Quando está lá, o cartola lancha com os antigos companheiros de batalhão.
"A posse do coronel na CBF vai dar muita força ao futebol do Pará. Ele tem no sangue as dificuldades que sofremos aqui", afirmou a secretária-adjunta estadual de Esporte, Cláudia Moura.

About Alexandre Almeida

0 comentar:

Postar um comentário

obrigado e comente sempre

Tecnologia do Blogger.