Mais de R$ 753 milhões saíram dos cofres públicos apenas para pagar passagens aéreas, hotéis, refeições, aluguel de escritórios e veículos, combustíveis, entre outros itens, para deputados e senadores. Dinheiro daria para erguer mais de 11 mil casas populares ou 115 escolas públicas. Ou construir 40 hospitais com uma centena de leitos
Gastos com parlamentares passam de R$ 753 milhões (Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters/)
Daria para erguer mais de 11 mil casas populares ou 115 escolas
públicas para atender aproximadamente 500 alunos. Ou construir 40
hospitais com uma centena de leitos. Bancaria 1 milhão de famílias que
tentam fugir da extrema pobreza, com o Bolsa Família, durante 12 meses.
Ou, ainda, o novo salário de R$ 33,7 mil dos 594 parlamentares por quase
três anos. Esses são alguns dos compromissos que poderiam ser
assumidos com o total despendido pela Câmara e pelo Senado apenas com os
gastos de deputados e senadores na última legislatura.
Entre fevereiro de 2011 e 15 de janeiro de 2015, mais de R$ 753
milhões saíram dos cofres das duas Casas apenas para pagar passagens
aéreas, hotéis, refeições, aluguel de escritórios e veículos,
combustíveis, entre outros itens, para os parlamentares federais, tudo
sem licitação. As informações são da revista Congresso em Foco.
Graças à chamada Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar
(Ceap), mais conhecida como cotão, os congressistas não precisam se
submeter às regras da Lei de Licitações na hora de comprar, por exemplo,
materiais de escritório ou contratar consultoria. Pelo menos R$ 580
milhões foram transferidos diretamente para a conta de deputados e
senadores como ressarcimento após a apresentação de nota fiscal.
Nesses casos, o Congresso não checa, por exemplo, se as empresas
contratadas existem nem se os valores são compatíveis com os serviços
prestados. Faz somente a conferência “fiscal e contábil” dos
documentos, limitando-se a verificar se os gastos declarados eram
passíveis de reembolso, conforme as regras internas. Valem a palavra e a
escolha do parlamentar, que pode destinar recursos públicos para
empresas privadas de sua preferência.
Sob questionamento
Essa liberalidade no uso da verba é questionada por entidades da
sociedade civil e pelo Ministério Público Federal, que enxergam as
atuais regras como um terreno fértil para irregularidades e despesas
questionáveis, como pagamento a empresas que não têm sede e utilização
do benefício público com luxos. As suspeitas de desvio ou utilização
indevida da verba no aluguel de veículos, levantadas pelo ativista Lúcio
Batista, o Lúcio Big, levou a Câmara a limitar esse tipo de despesa e o
Tribunal de Contas da União (TCU) a abrir apuração contra 20
parlamentares.
O procurador da República no Distrito Federal Anselmo Henrique
Cordeiro Lopes quer obrigar a Câmara e o Senado a reverem o cotão.
Anselmo acusa o Congresso de contrariar a Constituição e a Lei de
Licitações ao ressarcir os parlamentares por despesas “ordinárias”,
“previsíveis” e “rotineiras”, como a compra de material para consumo em
escritórios, a aquisição de combustíveis e lubrificantes para veículos,
a contratação de segurança particular e a divulgação da atividade
parlamentar. Segundo o procurador, o procedimento licitatório é
obrigatório por lei nesses casos.
Ele pede na Justiça que a Câmara e o Senado parem de reembolsar
deputados e senadores com gastos dessa natureza e passem a realizar
licitação para esses bens e serviços. Despesas consideradas
imprevisíveis como passagens aéreas e hospedagem continuariam sob as
regras atuais. “Apesar de a contratação ser feita pelo parlamentar, a
responsabilidade pela despesa é da Câmara e do Senado, que deveriam
garantir a impessoalidade e a economicidade”, diz o procurador. O
problema, observa, é que isso não ocorre.
Em agosto, a 20ª Vara da Justiça Federal, em Brasília, rejeitou o
pedido de liminar do procurador, que recorreu ao Tribunal Regional
Federal da 1ª Região. O recurso não foi examinado ainda. Somente as
despesas apontadas como passíveis de licitação pelo procurador somaram
mais de R$ 250 milhões nos últimos quatro anos. O número, no entanto, é
ainda maior, já que o Senado inclui os gastos com lubrificantes e
combustíveis na mesma rubrica de locomoção e hospedagem, que não
estariam sujeitas ao processo licitatório.
Vantagens
O valor da verba varia de uma casa legislativa para outra e de acordo
com o estado de origem do parlamentar. Por causa dos voos
tradicionalmente mais caros, congressistas da região Norte têm acesso a
uma fatia maior de recursos. Todos os dez deputados que mais gastaram a
cota na legislatura passada representavam estados do Norte. Entre os
senadores, o ranking é igualmente dividido entre nortistas e
nordestinos.
Na Câmara, o benefício vai de R$ 27.977,66 (Distrito Federal) a R$
41.612,80 (Roraima). Líderes e vice-líderes partidários ainda têm
direito a um bônus. No Senado, a cota varia de R$ 21.045,20 (também do
Distrito Federal) a R$ 44.276,60 (Amazonas). O senador também pode
cobrir despesas feitas por seus assessores com transporte, alimentação e
hospedagem.
Além do cotão, os parlamentares têm direito a uma série de outros
benefícios para exercer o mandato. O Congresso banca a moradia de
deputados e senadores por meio de apartamento funcional ou auxílio
financeiro, a contratação de até 25 funcionários por gabinete na Câmara e
55 no Senado, além das despesas médicas dos parlamentares. Os senadores
têm direito ainda a carro oficial com motorista, benefício restrito a
alguns cargos entre os deputados. Nos próximos quatro anos, cada
parlamentar receberá por mês R$ 33,7 mil de salário.
Edson Sardinha, Congresso em Foco
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