Em segundo plano na campanha à Presidência, a política externa é um dos temas em que as visões de mundo de Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) mais colidem.
Após 12 anos de governos petistas dedicados à integração com os países
da América do Sul e do sul geopolítico, sob Aécio o país passaria a
privilegiar EUA e União Europeia e manteria a ênfase na China –"não
ideológica", como enfatizam os tucanos.
Na campanha, Aécio atacou o financiamento do porto de Mariel, dizendo
que "dinheiro de imposto não vai financiar obras em Cuba"; a relação com
a Bolívia, afirmando que "não concederemos financiamento a países que
não tiverem um programa confiável de combate às drogas"; e o Mercosul,
chamado de "anacrônico". "Não serve a interesses brasileiros."
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Apesar da retórica estridente no palanque, na prática as mudanças seriam
graduais e negociadas, calibradas e não radicais, segundo o formulador
de política externa do tucano, Rubens Barbosa, ex-embaixador em
Washington e chefe do conselho de comércio exterior da Fiesp.
Já os petistas defendem a prioridade na relação com a América Latina e
dizem que as propostas do PSDB trariam prejuízos à indústria nacional.
Aécio defende um Mercosul mais flexível, em "duas velocidades", que
permita negociar acordos bilaterais e regionais sem seus parceiros.
Para o tucano, o Brasil, que tem só três acordos comerciais (Israel,
Autoridade Palestina e Egito), está isolado, porque fez a opção
equivocada de apostar tudo nas negociações multilaterais da Organização Mundial do Comércio, que não avançaram.
"Nossa postura é primeiro eliminar a influência ideológica e partidária
na política externa e comercial. Em segundo lugar, tomar medidas para
restabelecer a competitividade dos produtos brasileiros", afirma o
diplomata. "O PT quis fazer uma união política contra os EUA", diz.
Barbosa afirma que isso não significa abandonar a América do Sul. "Vamos
fortalecer as relações com os vizinhos, pois são 300 milhões de
pessoas, as empresas brasileiras já estão aí."
Para Marco Aurélio Garcia, assessor da Presidência para assuntos
internacionais no governo de Dilma Rousseff, as ideias do PSDB para a
política externa "reduziriam a América Latina a pó".
"A direita tenta ressuscitar o cadáver devidamente enterrado da Alca
(Área de Livre Comércio das Américas); só quer ter relacionamento com
EUA e União Europeia, sem medir os graves efeitos disso sobre a nossa
indústria", afirmou Garcia, em palestra na PUC-SP na semana passada.
Ele diz que é equivocada a ideia de que o Mercosul é um obstáculo para o Brasil fechar acordos comerciais.
"O acordo com a União Europeia ainda não saiu porque a UE ainda não tem
proposta, não por causa da Argentina", diz. "Duas velocidades pode
parecer uma fórmula de desfazer o Mercosul, e não achamos que seja
caso", afirma Garcia, citando o peso das vendas de manufatura ao bloco
na balança comercial.
Outro ponto de divergência é o peso do Itamaraty.
Os tucanos acusam o atual governo de ter relegado o Ministério das
Relações Exteriores ao papel de coadjuvante, afastando-o das principais
decisões e reduzindo a verba da pasta a 0,16% do Orçamento federal.
Garcia rebate. "Antes, a atuação do Lula era considerada voluntarista.
Agora querem utilizar a atuação dele para se contrapor à de Dilma. O que
houve foi uma mudança de cenário internacional, um deslocamento para
uma diplomacia econômica."
Editoria de Arte/Folhapress | ||
PESO NO COMÉRCIO
Pelas propostas dos candidatos, porém, é difícil saber qual a estratégia
para o país recobrar o peso, seja político (o "soft power", poder de
influenciar sem pressão militar), seja no comércio.
O saldo comercial caiu de um superávit de US$ 12,7 bilhões nos primeiros
nove meses de 2010, no auge da crise global, para um deficit de US$ 690
milhões no mesmo intervalo neste ano.
Uma saída –de consenso entre os dois– é a aposta na China. Falta,
entretanto, definir estratégias para converter a pauta atual, amparada
em commodities, em vendas de produtos industrializados.
"O maior desafio [do próximo presidente] é reverter a perda de poder,
prestígio, influência e mercados dos últimos anos. Isso vai demandar um
esforço enorme de atualização porque as ideias de política externa que
circulam hoje em Brasília são as mesmas da era FHC/Lula, só que o mundo
mudou", afirma Matias Spektor, colunista da Folha e professor de
Relações Internacionais na FGV.
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